Menos abandonado
Por: Tarcísio José Fernandes Lopes
Meu Brasil, és desigual.
Por que tens no povo a classe
Onde um filho teu já nasce
Em conflito social?
Por achar isso imoral,
Um poeta inspirado
Constitui-se advogado
E em versos recrimina
O desprezo à triste sina
Do menor abandonado.
– Seu doutor, sou uma criança
Que não teve sua sorte,
João-ninguém é meu consorte,
Orfandade, minha herança.
Mas eu sei que a lembrança
Que o doutor tem do passado
É dum jovem afortunado
Que não viu a coisa preta
Nem seu lar foi a sarjeta
Dum menor abandonado.
O senhor teve família
Que lhe deu educação,
Deu-lhe roupa, refeição,
Uma casa com mobília.
Viajou, sem ter quizília,
Com ou sem pai a seu lado.
Já meu pai é ignorado,
Minha escola é a rua;
O meu pão, a sobra sua.
Sou menor abandonado.
Sou um ser que não tem vez,
Não tem voz e nem direito.
Vivo assim de qualquer jeito
Sem doutrinas e sem leis.
Sou mal visto por vocês,
Vivo sempre relegado,
Quase sempre sou culpado
Por um mal que acontece
E o senhor só me conhece
Por menor abandonado.
Nós nascemos num país
Onde há desigualdade.
Por exemplo, a sociedade
Tem no seio alguns perfis:
Dama, virgem, meretriz,
O burguês e o favelado,
Empresário e empregado,
Nossa infância diferente
– Seu passado e o meu presente
De menor abandonado.
Se seu filho adoece,
Sente febre ou sente dor,
Um amigo do senhor
Que é doutor logo aparece.
Isso a mim não acontece
Porque tudo dá errado:
Vou ao posto, está fechado.
E o doutor – um elitista
Não atende a pensionista
E a menor abandonado.
O seu filho é protegido
Pela sorte do destino,
Anda lorde e grã-fino,
Onde chega é conhecido.
Já eu sou um desvalido,
Maltrapilho e mal trajado.
Por viver nesse estado,
Quando chego num local,
Vêem mais um marginal
Que menor abandonado.
Pra seu filho a vida é boa.
Por viver como um burguês,
Tem mesada todo mês
E jamais se atordoa.
Já eu tenho vida à-toa,
Vivo sempre atordoado.
Sem ter um ”tostão furado",
Sou o extremo de seu filho:
Ele é rico e eu, maltrapilho
E menor abandonado.
Não me culpe, seu doutor,
Se em seu mundo tão nobre
Eu nasci assim tão pobre,
Carregando esta dor.
Eu não culpo o senhor,
Mas se houvesse ajudado,
Não me via nesse estado:
Tão sozinho neste mundo,
Tão carente e moribundo
E menor abandonado.
Eu sou fruto dum sistema
Que fez a sociedade
Se vestir de vaidade
E esquecer quem tem problema.
Veja, sou mais um dilema
Que o senhor quer acabado,
Mas sem nunca ter tentado
Estender-me sua mão,
Verá, sempre, a nação
Com menor abandonado.
Se o doutor é um político
– Deputado, senador
Ou então governador
E tem senso autocrítico,
Dou-lhe aqui um veredicto:
– Faça logo ser votado
Um projeto dedicado
A sanar a situação
De um "calo" da nação
– O menor abandonado.
Se um dia o destino
Mudar essa minha vida
E me der uma guarida
Que eu não tenho em menino
Por ter Ele me ajudado,
Indicando um lar sagrado
Que por filho me adotou
E da rua retirou
Um menor abandonado.
Este cordel fala sobre a desigualdade social entre as crianças. Muitos dizem que a esperança do futuro da nação está nas crianças, mas quais são essas crianças? São as crianças de uma classe social mais favorecida? As que possuem condições melhores de estudo? Uma cama macia? Uma refeição digna? Devem ser dessas crianças que tanto falam. Já que uma criança abandonada que sobrevive nas ruas tendo que procurar alimentos nos lixos, crianças com ausência de pai e mãe onde aprendem duramente à vida nas ruas, muitas têm que roubar para sobreviver, essas crianças sem estudo, sem moradia que encaram o frio, fome e o medo, elas não podem ser chamadas de futuro da nação? Acho que não, já que são vistas pela sociedade como, marginais, “trombadinhas” e viciadas.
São sim, crianças como todas as outras com seus defeitos e qualidades, mas a maior parte da sociedade não presta atenção nisso. Enquanto muitas crianças vão as escolas, muitas outras estão nas ruas pedindo dinheiro no farol, engraxando sapatos na praça, vendendo balas nos faróis, ônibus e metrôs. Agora eu pergunto, por que essas crianças não são vistas como tal? Por que a maioria das pessoas olham para elas com outros olhos?
E por que essas crianças não estão na escola? Pois, de acordo com Paulo Freire, que é um educador preocupado com os oprimidos, que participou de encontros com educadores de rua, estudando as possíveis formas de tirar essas crianças da rua, de tirá-las da condição de marginalizadas. Ele reconhece a dignidade do educando, mesmo àquele que se encontra nas ruas. Freire acha que a educação não deve ficar presa aos muros escolares, mas deve ultrapassar os limites da escola e ir ao encontro do educando onde quer que ele esteja.
Enfim por que nada disso se concretiza?
E essas crianças foram abandonadas por quem? Pelos pais que lhe deram a vida e também pela sociedade. Sociedade que apesar de ter instituições e contar com recursos públicos, através dos impostos que pagamos aceita conviver com esse numero de crianças abandonadas que crescem assustadoramente. São essas crianças que praticamente nascem nas ruas, crescem e morrem no único lugar que elas possuem.
Temos que parar para refletir que cada uma dessas crianças é um pedacinho de nós, e se elas têm a infância roubada ou abandonada seu destino se torna incerto. Enquanto dormimos no conforto de nossas casas, essas crianças se agasalham com caixas de papelão, tremem de frio e morrem de fome. Somos todos nós, responsáveis pela solução do drama diário das crianças de rua.
Por: Natália Cristina da Silva Godoy
Referencia de Paulo Freire retirada do site: http://www.brasilescola.com/sociologia/classes-sociais.htm
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